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Experimentando a natureza de olhos fechados

Pode uma pessoa sentir o que é estar na floresta sem sair da zona urbana? E o que isso tem a ver com chocolate? Esses foram os desafios de uma trilha sensitiva que a Educom Verde e a bióloga Lakshmi Vallim tiveram em julho, dentro da programação de recreação infantil do Salão Internacional do Chocolate, realizado em julho de 2012 no Centro de Convenções de Salvador (BA).

A ideia inicial era a de fazer uma trilha onde as crianças entrariam de olhos fechados, sentindo com o olfato, o toque e a audição, um pouquinho do que seria estar na floresta - nos inspirando, livremente, na proposta da Trilha da Vida organizada dentro do VII Fórum Brasileiro de Educação Ambiental. Decidimos criar uma trilha onde as crianças sentiriam as etapas de elaboração do chocolate, desde a mata onde ficam os cacaueiros até a produção, passando por fases como a "pisada" nas sementes de cacau, que se fazia antigamente nas grandes fazendas da região de Ilhéus - onde atualmente se produz cacau no Brasil.

Nossa preocupação era a de associar o chocolate à preservação da floresta. Afinal, o cacau é extraído de árvores que fornecem sombra a outras espécies que sobrevivem na Mata. Dividimos então, a trilha nas etapas: a floresta (com folhas espalhadas pelo chão, galhos de árvores e som de floresta baixado gratuitamente na internet); a colheita do cacau e a fermentação, quando as sementes são separadas da polpa; a secagem, quando as sementes ficam expostas ao calor (e eram pisadas há séculos atrás); a moagem e a torragem (quanto as sementes soltam um delicioso aroma tostado) e, finalmente, a prova do chocolate em pequenas porções, antes de finalizar a trilha, ainda de olhos vendados.

Tudo isso montado em um pequeno corredor que ocupava o espaço de uma sala do centro de convenções, com menos de 25 metros quadrados. Na estrutura para fechar esse espaço, foram levantadas paredes a partir de divisórias usadas. Forramos essas divisórias com enfeites (infelizmente de borracha EVA, mas muito bonitos), como aparece na foto. Bem simples, mas trabalhoso...

Feito o cenário, contamos com monitores para levar as crianças a esse pequeno universo dos sentidos. Grande parte do sucesso dessa atividade, assim como na Trilha da Vida do fórum de educação ambiental, se deve a condução destes monitores. Nem tanto pelas informações que eles transmitiam, mas pela forma cuidadosa com que levaram as crianças a sentirem confiança - nelas mesmas e nos monitores - enquanto atravessavam esse universo desconhecido da floresta, logo na entrada da trilha.

Aí a brincadeira ganha ares de coisa séria e começaram as nossas descobertas como educadores. Muitas das crianças, principalmente as pequenas, tinham medo do escuro, ampliado pelo barulho dos bichos da "floresta". Paciência e estratégias para acalmar os pequenos e preparar sua concentração foram exigidos dos monitores. Crianças de cidade grande, acostumadas com os excessos da vida moderna (videogame, celular, televisão, etc), aos poucos, foram se entregando as sensações. Algumas mais inquietas até tentaram olhar por cima das vendas; porém, a maioria se aquietou.

Ao final de trilha a garotada era convidada a desenhar sua percepção da atividade. Para nós, educadores, outras novas surpresas. Grande parte desses desenhos retratou as próprias crianças, de olhos vendados, pisando nas sementes de cacau, como na foto ao lado. Para a maioria dos participantes, foi a etapa da trilha que mais gostaram! Outras desenharam o cacau, fruta que nunca tinham provado. Mais interessante ainda foi constatar que, mesmo as crianças acostumadas a frequentar espaços fora do ambiente urbano, gostaram da trilha pela simples sensação de ficar no escuro, e ainda descalças com os pés no chão.

E o que essas pequenas brincadeiras têm a ver com educação ambiental? Lembrando o educador norte-americano Joseph Cornell, que é pesquisador da relação homem-natureza por meio de atividades ao ar livre (em outro post espero falar mais sobre ele e apresentar algumas brincadeiras simples que testamos), embora a trilha sensitiva tenha sido feita em um espaço fechado, ela ajuda a sensibilizar, acalmar e concentrar a garotada. E a partir daí é que dá para se trabalhar a valorização da natureza.

Ficou com vontade de fazer uma trilha dessas também? Experimente essa brincadeira em casa ou na escola, usando os recursos que estiverem a mão. Importante é fechar os olhos, conduzir com carinho, sentir cheiros, sons e tato com as mãos e os pés descalços, entrando em contato com a sua natureza interior!

Fotos: Lakshmi Vallim

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