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Saldo do Campus Party: inclusão digital tem que ser social

Sentada em um dos 2.800 computadores do Campus Party, encontrei um personagem que resume o significado do evento para algumas pessoas – para outros, não passou de uma confusa vitrine de tecnologia voltada para o entretenimento.

Coordenador de um telecentro na periferia de Cuiabá (MS), Anderson “Monstrinho”, 23 anos, veio trocar idéias com outros colegas, assistindo oficinas e, principalmente, conhecendo gente de todo o Brasil que estava interessado em ir além da diversão – formando suas próprias redes sociais onde a tecnologia, a internet, é o veículo principal.

Apaixonado por computadores, Anderson é coordenador do Casa Brasil, que trabalha não só a inclusão digital, mas também sócio-cultural. O lugar tem oficinas de informática para ensinar quem nunca mexeu em um computador, mas oferece também rádio web, oficinas de metareciclagem (utilizando lixo digital para produzir jóias, como faz a paulista Naná Hayne e até ensinam percussão com instrumentos saídos do lixo, como latas de tinta (como a que aparece na foto). Para ele, inclusão digital tem que andar junto com a inclusão social.

"Na Casa Brasil trabalhamos numa periferia onde a realidade muito extrema; algumas meninas de 13 anos, por exemplo, têm traficantes e cafetões no ciclo de amizades. Você olha pra essas meninas, por exemplo, e pensa que não tem jeito... mas estamos conseguindo mudar a realidade dessas pessoas”, diz ele. Como se faz isso, ensinando a mexer no computador?

É aí que entra a inclusão social através do mundo digital, de certa forma. Quem passa pelas oficinas do telecentro, lembra “Monstrinho”, não vai lá só para aprender a ligar o computador ou a trabalhar na internet. “Mexer no micro só prepara a pessoa para ser explorada no mercado de trabalho. Nas nossas oficinas tentamos mostrar para as pessoas que a informática pode ser um caminho novo, de liberdade para que participem desse universo que é a internet. Se você trabalhar a conscientização e o direcionamento, a tecnologia não prende, liberta”, defende o cordenador.

Software livre – Através da experiência do Anderson, entendi finalmente porque tanta gente defende a questão do software livre – porque é tão importante defender iniciativas como o Ubuntu, um sistema operacional que, diferente do Windows, é gratuito e desenvolvido por voluntários.

Para Anderson, não precisar pagar para ser usuário de softwares é uma forma de inclusão sócio-digital. Além disso, como seu uso é livre, não é preciso embarcar ilegalidade e instalar um programa pirata no seu computador. Mas para o coordenador do Telecentro, o grande barato é que sistemas como o Ubuntu permitem que qualquer pessoa colabore com sua manutenção. Basta ter interesse e conhecimento. “É por isso que você aprende muito mais usando um sistema desses. Nada impede de você se desenvolver e criar o seu próprio software”, diz ele. O próprio é um “incluído”: auto-didata, fuça nos computadores desde os 15 anos. ”Meu grande professor foi a internet, meu grande diretor foi a curiosidade”, filosofa.

Campus Party – Sobre o grande evento de tecnologia que rolou em São Paulo, Anderson acha que muita gente foi excluída. “O evento foi lindo, com internet de alta velocidade e o que há de mais moderno. Mas o garoto que vem lá da periferia brincar num videogame de ultrageração fica frustado depois por não poder tê-lo em casa, né”, diz o rapaz. “Por isso é tão importante ter telecentros ou inclusão digital através da escola, onde a criança vai saber que tecnologia não é só jogos e computadores ultramodernos. Ele precisa saber que o que importa, na maioria das vezes, é o conhecimento dele na máquina, e não a máquina em si”.

Inclusão digital = inclusão social e, porque não, ambiental... “as grandes empresas fazem você comprar, comprar, comprar coisas novas, mais atualizadas. No telecentro nós remodelamos computadores e o que sobra, transformamos em jóias. E quem participa dessas oficinas percebe que, quanto mais você consome, mais polui. Conseguimos desenvolver a consciência de quem nem sempre é preciso consumir tanto, dando valor aos equipamentos e evitando a cultura do descartável”.

Parabéns, Anderson. Espero que todos os telecentros do Brasil estejem funcionando assim. E que a próxima Campus Party se abra para a verdadeira inclusão dos participantes!

Comentários

Naná Hayne disse…
Oi Débora,

Parabéns pela matéria, post!
O que diz o Anderson é a mais pura verdade no meu entender também.

A falta de "CONEXÃO-DIVULGAÇÃO-PERTINÊNCIA DE ASSUNTOS-ETC" fez com que pessoas com objetivos semelhantes, como o meu e o dele não se encontrassem num espaço onde o objetivo maior tinha exatamente este fim.
Ainda bem que trabalhos "garimpados" como o teu, nos deixe possibilidades de poder "linkar" a pessoa e não perdê-la no meio dos bites e bytes, velozes das grandes máquinas, rsrs.
Vou visitar o "Monstrinho", saber mais sobre seu trabalho e tentar unir nossos interesses.

bjs e obrigada!

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