Um recado para os educadores
Mais do que um relato de como me envolvi com questões ambientais, é um alerta aos educadores (categoria da qual faço parte), de que só teremos um mundo sustentável quando for possível ensinar aos nossos jovens que o planeta não é uma colcha de retalhos, e sim, uma rede complexa de interações entre as coisas vivas e não vivas. E que toda vez que o bicho homem tenta alterar esta trama a rede se embaralha ou abre-se um buraco na rota da vida na Terra.
Bom, estou dizendo que meu caminho pessoal chegou na educação ambiental, pois além de ter tido o privilégio de ter sido criada por pessoas simples, sem grandes ambições materiais, também acreditei na rebeldia da minha forma de pensar. Desde criança aprendi a “gostar e respeitar” das plantas e animais do meu jardim. Esse afeto foi desenvolvido e ampliado quando descobri, na minha adolescência que existiam pessoas que dedicavam suas vidas fazendo pesquisas sobre os seres vivos e/ou cuidando dos mesmos.
Neste aspecto, dois personagens foram fundamentais: Jacques-Yves Cousteau, oceanógrafo e cineasta da vida marinha, e minha irmã, a dra. Solange Germano, médica veterinária e vegetariana convicta.
A partir daí, foi fácil escolher uma carreira, a de bióloga. Entretanto, dentro do Instituto de Biociências da USP, onde cursei biologia durante os anos 80, me deparei com práticas e linhas de pensamento muito contraditórias em relação a minha paixão pela vida. Inúmeros ratos e sapos eram submetidos a sessões de tortura nas aulas de Anatomia e Fisiologia Animal e Humana, aulas das quais sempre me recusei a participar mesmo que fosse prejudicada em termos de média final. Fiz durante um curto espaço de tempo parte de um pequeno grupo de alunos que discordava dos métodos e queria contestar a qualidade e finalidade dessas aulas.
Fazíamos pequenas intervenções nas aulas práticas como roubar os sapos que seriam espinhalados e soltá-los no lago, ou esconder a marreta que seria usada para matar um hamster para estudarmos seu sistema excretor. Os professores ficavam possessos, e alguns alunos também, pois se sentiam prejudicados nos seus estudos. Mas aí é que está a importância em acreditarmos na rebeldia de nossos pensamentos.
Como eu, uma contempladora da Natureza, poderia me sentir à vontade olhando nos olhos de um pequeno hamster e esmigalhando seu cérebro com uma marreta??? Tudo em nome da Ciência? Ciência para quem? E, sem querer fazer uma comparação grosseira, na época como existiam muitos alunos judeus na minha turma eu pensava: Os nazistas usaram os “diferentes” como cobaias nos campos de concentração em pró da supremacia dos arianos e todos ficamos horrorizados com isso. Entretanto, os humanos usam espécies “diferentes” da nossa com a mesma finalidade e boa parte da sociedade acha isso louvável. Que ÉTICA é essa que só respeita uma única espécie e submete as outras a meros coadjuvantes serviçais?
Foi então, que surgiu a “bóia salva-vidas” do meu curso de biologia: as matérias do recém-fundado Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências. Então, além das matérias básicas, acabei fazendo meu Bacharelado todo voltado para este campo. É bom lembrar que foi nos anos 80 que movimento ambientalista se tornou mais consistente e que muitos políticos tiravam sarro quando diziam: “Esse bando de bicho-grilo que fica mais preocupado em salvar as baleias do que em resolver a fome dos pobres do mundo...”
O discurso de alguns segmentos da sociedade que depreciavam a ação dos ambientalistas traduz o padrão de pensamento ANTROPOCÊNTRICO, ou seja, o homem está no centro, e todas as demais formas de vida estão aos seus serviços, construído desde a época do Renascimento, passando pela Revolução Científica fomentada por grandes pensadores como Descartes e institucionalizada durante a Revolução Industrial, onde a Natureza passa a ser vista como fonte inesgotável de recursos para a civilização moderna se instalar com todas as suas necessidades de conforto material e exercitando um modelo devastador de produção e consumo.
E, hoje, como educadora participo de uma guerra ideológica entre os que tentam preservar essa forma de visão de mundo primitiva e destruidora contra os que tentam buscar uma forma de pensamento mais avançado que considera que não há um centro de importância, mas que TODA A VIDA deve ser considerada quando os humanos resolvem intervir. E, é impossível não ocorrer impacto quando esquecemos dessa REDE DE RELAÇÕES. Por isso que algumas batalhas dessa guerra podem ser vencidas até conseguirmos mudar nosso foco de pensamento. Vale complementar a velha reflexão: DE ONDE VIEMOS? O QUE SOMOS? PARA ONDE VAMOS? E, O QUE QUEREMOS?
Comentários
Wolney