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Todo brasileiro é um pouco índio. E negro, e caiçara, e...

... é o que convida a pensar o escritor de origem indígena, Daniel Munduruku, que comenta sobre o Dia do Índio em seu blog Notícias e Idéias. Daniel (ao lado, com o escritor e cartunista Ziraldo), autor de belas histórias infanto-juvenis e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) provoca, num texto convidativo, a pensar: livros falam deles, crianças se fantasiam e até data especial os índios tem, mas o preconceito e especialmente a falta de compreensão ronda o cidadão do Brasil - seja ele caiçara, quilombola, nordestino.

Índio acessando internet? Escrevendo livro e estudando doutorado? Quem ainda pensa dessa forma errônea e não valoriza o ser humano além da imagem pré-concebida precisa ler os textos de Munduruku, que também estudou filosofia. O que reproduzo abaixo, de seu site, fala em diversidade e do papel de cada um na grande teia da vida - seja branco, negro, japonês, índio, ou de tudo um pouco. Como a maioria de nós, brasileiros!


Não somos donos da teia da vida

Meu avô costumava dizer que tudo está interligado entre si e que nada escapa da trama da vida. Ele costumava me levar para uma abertura da floresta e deitava-se sob o céu e apontava para os pássaros em pleno vôo e nos dizia que eles escreviam uma mensagem para nós. “Nenhum pássaro voa em vão. Eles trazem sempre uma mensagem do lugar onde todos nos encontraremos”, dizia ele num tom de simplicidade, a simplicidade dos sábios. Outras vezes nos colocava em contato com as estrelas e nos contava a origem delas, suas histórias.

Fazia isso apontando para elas como um maestro que comanda uma orquestra.

Confesso que não entendia direito o que ele queria nos dizer, mas o acompanhava para todos os lugares só para ouvir a poesia presente em sua maneira simples de nos falar da vida.

Numa certa ocasião ele disse que cada coisa criada está em sintonia com o criador e que cada ser da natureza, inclusive o homem, precisa compreender que seu lugar na natureza não é ser o senhor, mas um parceiro, alguém que tem a missão de manter o mundo equilibrado, em perfeita harmonia para que o mundo nunca despenque de seu lugar.

“Enquanto houver um único pajé sacudindo seu maracá, haverá sempre a certeza de que o mundo estará salvo da destruição”. Assim nos falava nosso velho avô como se fôssemos – eu e meus irmãos, primos e amigos – capazes de entender a força de suas palavras.Só bem mais tarde, homem adulto, conhecedor de muitas outras culturas, pude começar a compreender a enormidade daquele conhecimento saído da boca de um velho que nunca tinha sequer visitado a cidade ao longo de seus mais de 80 anos.

Percebi, então, que meu avô era um homem com uma visão muito ampla da realidade e que nós éramos privilegiados por termos convivido com ele.

Estas lembranças sempre me vêm à mente quando penso na diversidade, na diferença étnica e social. Penso nisso e me deparo com a compreensão de mundo dos povos tradicionais. É uma concepção onde tudo está em harmonia com tudo; tudo está em tudo e cada um é responsável por esta harmonia. É uma concepção que não exclui nada e não dá toda importância a um único elemento, pois todos são passageiros de uma mesma realidade, são, portanto iguais. No entanto, não se pode pensar que esta igualdade signifique uniformidade. Todos estes elementos são diferentes entre si, têm uma personalidade própria, uma identidade própria.

Através de minhas leituras e viagens fui compreendendo, aos poucos, aquilo que o meu avô dizia sobre a sabedoria que existe em cada um e todos os seres do planeta. Descobri que não precisa ser xamã ou pajé para chacoalhar o maracá, basta colocar-se na atitude harmônica com o todo, como se estivéssemos seguindo o fluxo do rio, que não tem pressa...mas sabe aonde quer chegar. Foi assim que descobri os sábios orientais; os monges cristãos; as freiras de Madre Teresa; os muçulmanos; os evangélicos sérios; os pajés da Sibéria, dos Estados Unidos, os Ainu do Japão, os Pigmeus; os educadores e mestres...descobri que todas estas pessoas, em qualquer parte do mundo, praticando suas ações buscando o equilíbrio do universo, estão batendo seu maracá.

Entendi, então, a lógica da teia. Entendi que cada um dos elementos vivos segura uma ponta do fio da vida e o que fere, machuca a Terra, machuca também a todos nós, os filhos da Terra. Foi aí que entendi que a diversidade dos povos, das etnias, das raças, dos pensamentos é imprescindível para colorir a Teia, do mesmo modo que é preciso o sol e a água para dar forma ao arco-íris.

*** Agradecimentos è professora Fátima Campilho, do Blogstórias Essenciais, pela dica de tão lindos textos como de Munduruku. Obrigada!

Comentários

Fátima Campilho disse…
Débora,
A rede é solidária e compartilhar é urgente.
Divulguei no Blogstórias digitais um projeto do UNEP de Educação Ambiental, o TUNZA. Conhece?
Abraços,
Fátima.
Olá?

Recebi um selo da Campanha da Amizade e posso compartilhá-lo com dez amigos. Escolhi você para ser uma delas. Se quiser pegar o selinho vá até o meu blog.
Lá tem as informações de como proceder.

Beijinhos
Vanessa
Ciberepaço na Escola

"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."
(Antoine de Saint-Exupéry)
Anônimo disse…
ótimo post. passei no blog dele e já ta favoritado. Beijos, Clarissa
Querida Débora,
Parabéns mais uma vez por esse blog! Esse post até me comoveu, sabe? Também tenho um pouco de índio, um pouco de negro e de caiçara... E esse Munduruku é dez! Adorei...
Ah! ganhei um selinho da amizade no meu blog. Assim que der repassarei prá você! Beijos,
Josete
http://jmzimmer.blog.uol.com.br

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