Pular para o conteúdo principal

Reflexão: a natureza está mesmo fora de nós?

O uruguaio Eduardo Galeano é velho conhecido de quem freqüentou os fóruns sociais mundiais de Porto Alegre. Jornalista e escritor (autor de Veias Abertas da América Latina), é um apaixonado pela causa social.

Traduzi esse texto de Úselo y Tírelo – El Mundo Visto Desde uma Ecologia latinoamericana (Grupo Editorial Planeta, Buenos Aires, 1994). O livro reúne contos e mini-crônicas, onde ele debate sobre aquilo que nós, educadores (e comunicadores) ambientais, nos deparamos todos os dias: educar para a natureza? Pela natureza? Somos parte dela? Ou estamos realmente tentando trazê-la para a nossa realidade sócio-cultural?

É um texto ótimo para discutir em sala de aula, propor redações e, antes de tudo, se emocionar.

A natureza está fora de nós

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou desde o Monte Sinai, o Senhor poderia ter agregado mais uma regrinha: “Honrarás a natureza da qual fazes parte”. Mas isso não lhe ocorreu.

Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado, e merecia castigo. Segundo as crônicas da conquista (dos espanhóis, principalmente), os índios nômades que usavam parte do córtex das árvores para se vestir jamais cortavam um tronco inteiro, para não aniquilá-las, e os índios sedentários plantavam cultivos de diversas espécies, com períodos de descanso, para não cansar a terra. A civilização que vinha impôr a devastadora monocultura de exportação, não podiam entender as culturas integradas a natureza, e as confundiu com vocação demoníaca ou ignorância.

E assim se seguiu. Os índios de Yucátan e os que depois se juntaram a Emiliano Zapata, perderam suas guerras por atender às semeaduras e colheitas de milho. Chamados pela terra, estes soldados se desmobilizavam em momentos decisivos de combate. Para a cultura dominante, que é militar, assim os índios provavam sua covardia ou su estupidez.

Muito recentemente nos interamos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos; e soubemos que, como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala em submeter a natureza; agora, até seus carrascos dizem que temos que protege-la. Mas em um ou outro caso, natureza submetida ou natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento e o grandote com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem enquanto o mundo, labirinto sem centro, se dedica a romper seu próprio céu.

(Eduardo Galeano em: Úselo y Tírelo – El Mundo Visto Desde uma Ecologia latinoamericana. Grupo Editorial Planeta, Buenos Aires, 1994)

Comentários

Anônimo disse…
Muito triste percebermos que o homem chegou ao ponto de ter de proteger a natureza senão vai morrer junto com ela, não seria mais fácil ter apenas cuidado dela???
Espero que ainda tenhamos tempo.

Postagens mais visitadas deste blog

  Esta semana em Brasília ocorre a vigésima edição do ATL - Acampamento Terra Livre, organizado pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).  É a maior mobilização indígena do país e tem uma semana de muitas atividades, incluindo marchas, sessão solene no Congresso Nacional e apresentações culturais. Em 2023 foram seis mil indígenas de 180 etnias participando. Este ano, com certeza, haverá muito mais. Reinauguro este espaço de comunicação que não escrevo há tempos para prestigiar a ATL, vou acompanhar ao vivo no dia 23 de março, diretamente de Brasília, onde estou morando, em parceria com o site Vocativo.com , do premiado jornalista Fred Santana, de Manaus.  Vou acompanhar um trechinho da marcha que eles fazem até o congresso e assistir as duas sessões. Me acompanhem lá pelo Vocativo.com! 

Quadrinhos, um jeito divertido de ensinar meio ambiente

A tirinha acima faz parte do projeto Edu HQ , mantido pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, e mantém um acervo com centenas de quadrinhos e pequenas animações, muitas delas feitas por crianças. No item meio ambiente há 173 tirinhas como essa. Trabalhar com quadrinhos na sala de aula e no dia-a-dia é uma viagem... pois a partir da brincadeira é possível levantar vários pontos: refletir sobre o recurso de linguagem, o humor, a ironia, pesquisar o que o autor quis dizer, o que há por trás da história. Já para quem é "gente grande", quadrinhos são sempre um respiro no dia-a-dia... e também ajudam a pensar!

Parábola da escola animal

Texto inteligente do filósofo Osho, publicado no blog Palavras de Osho . É para se pensar... "Um amigo me enviou esta linda história. Eu gostaria que você a conhecesse; ela pode ajudar. A história se intitula "A Escola Animal". Um dia os animais se reuniram na floresta e decidiram criar uma escola.Havia um coelho, um pássaro, um esquilo, um peixe e uma enguia, e eles formaram uma Diretoria. O coelho insistiu na inclusão da corrida no currículo. O pássaro insistiu na inclusão do voo no currículo. O peixe insistiu na inclusão da natação no currículo. E o esquilo disse que a subida perpendicular em árvores era absolutamente necessária ao currículo. Eles juntaram todas essas coisas e escreveram um roteiro do currículo. Então insistiram em que todos os animais aprendessem todas as matérias. O coelho, embora tirasse um "A" em corrida, teve uma enorme dificuldade em subida perpendicular em árvores. Ele sempre caía de costas. Logo ele teve um tipo de d...